Nesta aventura pessoal por retomar o velho hábito da escrita, tenho buscado ajuda e inspiração. Esta semana comecei a oficina Breves & Bons , com o Joca Terrón, para a escrita de textos curtos que foi, curiosamente, por indicação do também escritor, JP Cuenca, com quem estudei no ano passado. Aliás, a oficina do Cuenca é recomendadíssima; foi ele quem me ajudou a encontrar o caminho para destravar a produção textual.
Mas, vamos lá. A primeira aula do Joca foi dedicada a metáforas e haiku. Como dever de casa, produzi 3 textos curtinhos, dentro da proposta pedida. Não falarei da parte teórica (nem teria propriedade para tal), mas em cada texto irei comentar sobre o que escrevi, revelando as camadas e significados das entrelinhas.
Por fim, achei que cabiam aqui, no finitudes
, pela alma que os três textos carregam: eles refletem a impermanência, a inquietação; remetem ao finito e, por que não, apresentam algo levemente melancólico.
Sem mais demoras, boa leitura.
Metáfora
"Silencioso como a vastidão do espaço profundo."
Eu gostei de algo que o Joca falou na aula: a metáfora existe porque as palavras perderam o poder de provocar emoções. Por isso, através desta figura de linguagem, reforçamos o que queremos dizer, trazemos intensidade, despertamos a imaginação. E é justamente esta a primeira interpretação do texto acima.
No primeiro plano, silêncio está sendo reforçado pelo espaço profundo. É sabido que longe do nosso planeta, no “vácuo” do meio interestelar, impera o silêncio; o som não se propaga como ocorre aqui em nosso planeta. Portanto, se fosse possível um astronauta estar totalmente despido de seu traje em uma caminhada espacial, ele não escutaria absolutamente nada.
O segundo significado começa a ser mais figurado. Ele evoca a solidão, o distanciamento, o que por sua vez implica em uma impossibilidade de estabelecer comunicação entre partes. Na imagem do pálido ponto azul, a terra com seus 5,29 bilhões de habitantes em 1990 (ano da foto), se encontra a 6,000,000,000 de quilômetros da sonda que a fotografou. Seja pela distância, seja pelo fato das ondas de som não viajarem no vácuo, qualquer tentativa de comunicação sonora não seria correspondida.
Finalmente, a última camada que trago é mais subjetiva ainda. É a distância que as pessoas constroem ao seu redor. É a apatia e estranhamento, a intolerância e individualismo. São as atitudes que culminam em uma total incapacidade de estabelecer qualquer tipo de diálogo verbal ou afetivo entre nós, seres humanos. É o paradoxo de estarmos distantes mesmo se estando cara-a-cara com o outro.
Haikai #1
Estava lá o animal Veio outro e tomou o seu lugar Estava lá o animal
Tínhamos que falar sobre a natureza neste haikai. Assim como a metáfora, este formato também pretende deixar uma interpretação aberta, acrescido de um final inconclusivo.
Assim como a metáfora, várias camadas se apresentam. Na superfície, o registro dois animais que disputam território. Um desafiante subjuga seu oponente e coleta os espólios de sua vitória: o território, neste caso.
Aprofundando nossa representação, o texto fala da ciclicidade da vida, e da constante busca pelo domínio do que pertence a outro. Seja entre os bichos, plantas ou seres humanos, este ciclo se repete — e continuará a se repetir — indefinidamente. Acentuado pelas vaidades e desejos humanos, porém, conosco este ciclo tende a ser motivado por razões que extrapolam apenas o instinto da sobrevivência e perpetuação da espécie.
Haikai #2
3000 2000 1000 peixes O ser humano se justifica Sem peixes
Ah, peixes novamente. Talvez por uma ação do subconsciente, ilustrei o haikai #1 com aquela imagem.
Muito bem, aqui no haikai #2 a temática do exercício era a destruição da natureza. Escolhi falar dos peixes porque, aqui no interior, há muito ouço sobre as épocas de fartura dos pescadores. As incursões que antes rendiam quilos e mais quilos de pescado, agora mal provêm o suficiente para a alimentação do dia. Talvez pela ganância e avareza, talvez por falta de consciência e respeito, é inquestionável o desequilíbrio na natureza causado por nós, seres humanos.
A diagramação deste haikai remete ao declínio da população de peixes. Apesar das evidências irrefutáveis do impacto, os homens tentam se justificar e relativizar a situação. Há, ainda, os que negam e os que ignoram. A exploração predatória do rio leva a números cada vez menores, que enfim, chegam a um patamar insustentável. O que antes era abundante, agora inexiste.
E qual será o próximo desdobramento? O haikai deixa esta questão propositadamente ecoar.
“O mundo é grande o suficiente para atender às necessidades de todos, mas sempre demasiado pequeno, para a ganância de alguns.”
— Mahatma Gandhi